Movimento separatista em Carapina: quando a Serra quase foi dividida

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Serra tem cinco distritos que refletem sua história de formação, entre os quais Carapina, que quis se separar em 1989.

Você sabia que já existiu um movimento separatista na Serra? Durou pouco, mas mobilizou lideranças políticas locais e estaduais, chegando até a proposta de um plebiscito. A ideia era separar o distrito de Carapina, que abrange uma extensa área — indo desde a ponte de Jacaraípe, traçando uma linha até o Mestre Álvaro, contornando Pitanga e chegando às proximidades de Alphaville (veja no mapa).

Trata-se do maior distrito da cidade em termos populacionais e econômicos, já que engloba toda a região de Laranjeiras, Feu Rosa, Vila Nova de Colares, a faixa litorânea de Jacaraípe até a Ponta de Tubarão, além de toda a região do Civit, com bairros como Serra Dourada e dezenas de outros.

Historicamente, essa região já pertenceu tanto à Serra quanto a Vitória, em diferentes momentos da formação administrativa das duas cidades. Embora a influência cultural mais forte seja das raízes serranas, centralizadas na Serra Sede, houve períodos de disputas territoriais. Foi apenas por meio do Decreto-Lei Estadual nº 15.177, de 1943, que Carapina passou a integrar definitivamente o território da Serra.

Carapina quis ser cidade

O movimento separatista surgiu a partir das transformações econômicas desencadeadas, principalmente, pelo início da fase industrial da Serra, na década de 1960. Esse processo acelerou uma mudança que já estava em curso: a perda progressiva da importância da Serra Sede como centro econômico, político e urbano do município. Esse protagonismo passou, gradativamente, a ser transferido para o distrito de Carapina.

Com o avanço dessa dinâmica, a partir da década de 1980, os investimentos públicos e privados passaram a se concentrar na região de Laranjeiras, impulsionando seu desenvolvimento urbano e habitacional. Foi nesse contexto que começaram a surgir rumores recorrentes sobre um possível esvaziamento e desmonte da Serra Sede.

Porém, a ideia ganhou força em 1989, quando foi deflagrado um movimento separatista com o objetivo de emancipar o distrito de Carapina da cidade da Serra, criando, assim, dois municípios distintos. Apesar de ainda enfrentarem problemas de infraestrutura, os polos industriais Civit I e II já estavam consolidados. Juntos, eles respondiam por 15% de todo o ICMS arrecadado no Espírito Santo e por 65% da receita do município da Serra.

Naquele ano, havia grande expectativa de atração de novas indústrias, impulsionada pela reestruturação da Suppin — órgão responsável pela gestão dos polos industriais. Diante desse cenário de crescimento industrial acelerado, começou a se formar um entendimento de que o distrito de Carapina reunia condições para se tornar um município independente. Esse discurso ganhou ainda mais força em Laranjeiras, que já vivia, naquela época, uma efervescência política crescente, liderada principalmente por associações de moradores atuantes.

Além disso, a disputa entre o ex-prefeito João Batista Motta e o então prefeito José Maria Miguel Feu Rosa também contribuiu para acirrar a questão. Motta era mais votado no distrito de Carapina, enquanto Feu Rosa concentrava seu apoio na Serra Sede. Porém, um fato político mexeu com os bastidores do município: em 1989, o Tribunal de Contas reprovou as contas da gestão de Motta, referentes aos anos de 1987 e 1988, quando ele ocupava o cargo de prefeito.

O parecer do Tribunal estava nas mãos da Câmara de Vereadores da Serra. Caso a reprovação fosse mantida, Motta poderia ficar inelegível. Para tentar reverter esse cenário e pressionar os vereadores, que seguiam a orientação de Feu Rosa, Motta articulou um movimento na Assembleia Legislativa, com apoio do então deputado estadual Hugo Borges. Ao todo, 23 deputados se comprometeram a apoiar a hipótese de emancipação de Carapina.

Plebiscitos para separar Carapina e Serra

Com o peso econômico do distrito, o engajamento de comunidades politicamente organizadas — como Laranjeiras — e articulações nos bastidores, Feu Rosa passou a ver o movimento com preocupação. A tensão aumentou ainda mais quando, no dia 27 de junho de 1989, a Comissão de Justiça da Assembleia aprovou o relatório do deputado Dilton Lyrio. O texto propunha a criação de novos municípios no escopo da nova Constituição Estadual que estava em debate.

O relatório sugeria a realização de plebiscitos em três distritos: Carapina (Serra), Campo Grande (Cariacica) e Santa Cruz (Aracruz), para que os moradores decidissem se queriam ou não se separar de seus respectivos municípios. A proposta encontrou forte apoio de deputados que tinham redutos eleitorais nessas regiões.

O movimento, no entanto, não prosperou. Foi estancado pelo então governador Max Mauro, que avaliou os custos da criação de novos municípios e os prejuízos que as separações poderiam causar. Em uma manobra articulada pela base governista, a Assembleia aprovou, no dia 30 de outubro de 1989, um projeto que impôs novas regras para emancipações. Entre elas, uma cláusula que impedia a separação de distritos que participassem com mais de 35% da arrecadação do município de origem — o que inviabilizou de imediato a proposta, já que Carapina representava bem mais do que esse limite.

Distritos da Serra, você sabia?

A Serra é composta por cinco distritos municipais: Serra Sede, Calogi, Queimado, Nova Almeida e Carapina. Embora essa divisão possa parecer sem sentido à luz da configuração atual da cidade, ela tem fundamentos históricos e administrativos importantes.

No passado, Serra Sede era o principal centro urbano do município. Queimado e Calogi eram regiões agrícolas bastante produtivas, enquanto Nova Almeida chegou a ser um município independente, sendo posteriormente incorporada à Serra como distrito. Já Carapina surgiu como uma freguesia e, mais tarde, tornou-se distrito, alternando sua vinculação entre os municípios de Serra e Vitória ao longo do tempo.

Segundo a Lei Complementar nº 001/2001, de 31 de janeiro de 2001, fazem parte do Distrito de Carapina:

O distrito de Carapina é constituído pelos seguintes bairros: Balneário de Carapebus, Bicanga, Castelândia, Centro Industrial do Município, Cidade Continental, Condomínio Ecológico Parque da Lagoa, Conjunto Jacaraípe, Feu Rosa, Manguinhos, Ourimar, Portal de Jacaraípe São Pedro, Praia de Carapebus. Sítio Irema. Vila Nova de Colares, André Carloni, Bairro de Fátima, Boa Vista, Carapina Grande, Conjunto Carapina 1, Eurico Salles, Hélio Ferraz, Jardim Carapina, Manoel Plaza, Rosário de Fátima, Tims, Cantinho do Céu, Central Carapina, Diamantina.

Jardim Tropical, José de Anchieta, José de Anchieta II, José de Anchieta III, Laranjeiras Velha, Solar de Anchieta, Taquara I, Taquara II, Alterosas, Camará, Chácara Parreiral, Guaraciaba, Jardim Limoeiro, Morada de Laranjeiras, Nova Zelândia, Novo Horizonte, Parque Residencial Laranjeiras, Planalto de Carapina, Santa Luzia, São Diogo I, São Diogo II, São Geraldo, Valparaíso.

Barcelona, Barro Branco, Cidade Pomar, Civit I, Civit II, Eldorado, Maringá, Mata da Serra, Nova Carapina I, Nova Carapina II, Novo Porto Canoa, Parque Residencial Mestre Álvaro, Parque Residencial Tubarão, Pitanga. Planície da Serra, Porto Canoa, Serra Dourada I, Serra Dourada II e Serra Dourada III.

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Yuri Scardini

Yuri Scardini é diretor de jornalismo do Jornal Tempo Novo e colunista do portal. À frente da coluna Mestre Álvaro, aborda temas relevantes para quem vive na Serra, com análises aprofundadas sobre política, economia e outros assuntos que impactam diretamente a vida da população local. Seu trabalho se destaca pela leitura crítica dos fatos e pelo uso de dados para embasar reflexões sobre o município e o Espírito Santo.

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