
Na noite da última terça-feira (01), a Câmara de Vereadores da Serra foi palco de uma audiência pública que teve como objetivo esclarecer e levantar mais informações sobre o projeto da EPAR (Estação de Produção de Água de Reuso). Articulada pelos vereadores Rafael Estrela do Mar e Renato Ribeiro, a audiência foi marcada por momentos de tensão e serviu como termômetro para as próximas etapas do processo.
A EPAR é um projeto da Cesan, que prevê a construção de uma estação de produção de água de reuso no município da Serra. A unidade receberá o esgoto que hoje é direcionado para a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Camburi, em Vitória.
Na Serra, esse esgoto será tratado, reciclado e comercializado para uso industrial. A principal interessada na compra dessa água é a ArcelorMittal, que, inclusive, doou o terreno no bairro São Geraldo para viabilizar a obra. A empresa multinacional GS Inima venceu o leilão para operar o serviço.
Quem compareceu:
Estavam presentes na audiência representantes da Cesan, da ArcelorMittal e da GS Inima, além dos vereadores Leandro Ferraço, Wiliam Miranda, Teilton Valin e Raphaela Moraes. O deputado estadual Fábio Duarte também compareceu.
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A Prefeitura da Serra enviou técnicos das secretarias de Obras e Meio Ambiente. A audiência contou ainda com a participação da OAB, da Associação dos Empresários da Serra (ASES), da Federação das Associações de Moradores da Serra (Fams), além de diversas lideranças populares e moradores, especialmente do bairro São Geraldo.
Ânimos exaltados sobre esgoto de Vitória
Em diversos momentos, o clima ficou tenso, e os proponentes da audiência precisaram intervir para conter os ânimos. A reunião teve duração de 3h30, mas, mesmo assim, não foi suficiente para que se chegasse a um entendimento sobre o projeto. Tanto é que uma nova audiência já foi deliberada para ocorrer no próximo mês.
Durante o encontro, a Prefeitura da Serra confirmou que, até o momento, não foi formalmente consultada a respeito do projeto, o que tem sido uma das principais críticas dos vereadores.
“Como se faz um projeto para tratar o esgoto de Vitória na Serra, realiza um leilão internacional, dá uma ordem de serviço em Nova York… tudo isso sem perguntar para a Serra se a cidade concorda com o projeto?”, questionou o vereador Renato Ribeiro.
De forma uníssona, os vereadores e as lideranças comunitárias manifestaram que, em seu mérito, o projeto de reutilizar água é louvável. No entanto, questionaram a Cesan sobre o por que não conceberam um modelo em que a Serra tratasse prioritariamente o próprio esgoto para ser revertido em água de reuso, ou, ao menos, que a EPAR destinada a receber o esgoto de Vitória fosse implantada no território da capital.
Na avaliação do vereador Rafael Estrela do Mar, o verdadeiro interesse por trás do projeto estaria na desativação da ETE de Camburi e na consequente liberação do terreno — uma área de 400 mil metros quadrados localizada na orla de Camburi. A Cesan, por sua vez, afirmou que aquele terreno não pertence à companhia e disse desconhecer qualquer projeto para uso futuro da área.
A ArcelorMittal também foi alvo de críticas de moradores do bairro São Geraldo, que cobraram a ausência histórica de projetos voltados à comunidade, marcada por impactos diversos decorrentes da proximidade com as operações da empresa. Foram citados problemas de saúde, especialmente respiratórios, além de impactos urbanísticos. Moradores cobraram que a área doada para a construção da EPAR seja revertida para uso coletivo da comunidade.
A ArcelorMittal afirmou que o projeto da EPAR está inserido em um plano mais amplo, que visa reduzir sua dependência do abastecimento de água proveniente de fontes que concorrem com o consumo humano. A empresa citou, por exemplo, investimentos na planta de dessalinização, que também faz parte desse planejamento estratégico.
A companhia destacou que a escassez hídrica representa, sobretudo, um risco às suas operações, já que a produção de aço demanda grandes volumes de água.
A GS Inima, por sua vez, afirmou que está cumprindo rigorosamente o que foi definido no edital de concorrência que norteou o leilão do serviço, o qual já previa que a EPAR seria construída na Serra e receberia os efluentes provenientes da ETE de Camburi. A empresa defendeu que a tecnologia adotada na estação é moderna e capaz de operar sem emissão de ruídos ou odores.
Além disso, a GS Inima defendeu que a venda de água de reuso para a ArcelorMittal tem como propósito reduzir a captação de água do rio Santa Maria para uso industrial e, consequentemente, aumentar a disponibilidade de água para consumo humano.
Reclamações e ameaça de protesto na Serra
Todas essas explicações foram dadas em um clima hostil, no qual moradores e lideranças comunitárias manifestaram desconfiança de forma constante. Acusações e reclamações foram numerosas, especialmente em relação à crítica sobre a atual conjuntura do esgotamento sanitário na Serra, que impõe desafios monumentais, enquanto se discute um projeto que, segundo moradores e lideranças, visa resolver um passivo ambiental e imobiliário da capital.
Houve até afirmações de que, caso o projeto avance, as entradas ferroviárias e rodoviárias da ArcelorMittal serão bloqueadas com pneus em chamas pela população. “Pode deixar que eu levo os pneus. Vamos parar a ArcelorMittal se esse projeto continuar”, afirmou o vereador Leandro Ferraço.
Ao final, a audiência deliberou apenas pela realização de uma nova reunião, diante das diversas dúvidas que permaneceram sem resposta. O encontro, no entanto, serviu para demonstrar que houve falhas de condução por parte da ArcelorMittal, Cesan e GS Inima no processo de implantação do projeto — falhas que, para serem revertidas, podem exigir grandes esforços de diálogo e negociação.